A calamidade do sistema prisional brasileiro é a face mais gritante da falência de diversas dinâmicas da vida social. Faliu o próprio modelo carcerário do país – ou melhor, a falta dele. Não há, faz muito tempo, uma política nacional sobre o tema, nem de planejamento, tampouco de resposta à crescente demanda. Também dá sinais de esgotamento, já não é de hoje, toda a normatização penal do país, seja ela de direito material, processual ou de execução.
Mas o problema não é apenas legislativo ou jurídico. Os presídios abarrotados, que reproduzem e qualificam o crime, expõem também as mazelas das instituições públicas, da própria família (ou de seu esfacelamento) e de toda a realidade econômica e social. Expõem a insuficiência da educação, o sobrepujamento das drogas, a desordem moral e o desconforto existencial de milhares de seres humanos.
Ali, em cada prisão, em cada preso, está materializada uma derrota da civilização diante da barbárie. Mas também é ali que deveria nascer uma resposta, em que as forças públicas tentassem recuperar o cidadão para a vida social. O estado querendo trazer de volta o indivíduo que delinquiu e, ele próprio, dando uma chance a si mesmo. Paga a pena, o que também serve de exemplo aos demais convivas, e tenta recompor o retorno à cidadania. Nada disso é o que vemos, porém. Ou melhor, o que vemos é o contrário disso.
Hoje o modelo prisional brasileiro não é mais apenas consequência da criminalidade, mas uma de suas principais causas. É de dentro das prisões que muitos crimes são arquitetados e comandados. As organizações criminosas, não raras vezes, gerem diretamente o próprio sistema. Montam estruturas de poder para isso, tomam decisões. São donas de pavilhões, áreas ou presídios inteiros. O aparato estatal, afrontado sem disfarce, não reage à altura. Subjuga-se e sucumbe. Às vezes até mesmo locupleta-se com isso.
O modelo prisional brasileiro não é mais apenas consequência da criminalidade, mas uma de suas principais causas
Soluções isoladas ou pontuais serão meramente paliativas. Os estados sozinhos não têm capacidade financeira suficiente para enfrentar o problema. É preciso repensar o sistema prisional de maneira integrada, nacionalmente, definindo papéis de todos os entes federados, inclusive os municípios. Mas o protagonismo, sem dúvida alguma, deve ser da União, seja por sua preponderância orçamentária, seja pela capacidade de articular todas as partes envolvidas.
Para minorar o atual caos do sistema prisional temos sim que viabilizar a construção de mais presídios, menores com mais controle e que possibilitem atividades de esporte e educação para ocupar o detento, temos que ter ao lado disto a separação dos presos por grau de periculosidade e a maior celeridade no julgamento de recursos de liberdade.
Muitos dizem que não adianta construir mais cadeias enquanto o país não investir mais em saúde, educação e nas áreas essenciais para a dignidade humana. Embora seja verdade, é um falso dilema. Uma dinâmica não precisa esperar a outra. Ambas devem ocorrer em concomitância: fazer do Brasil um país social e economicamente mais justo e desenvolver um novo sistema prisional.
Não se trata apenas de construir ou reconstruir cadeias ou reorganizar o sistema diretamente. É preciso provocar também uma grande revisão sobre as legislações da área, que há muito se mostraram insuficientes ou ineficientes para diminuir os índices de criminalidade. A nação precisa voltar-se ao tema da segurança, o que inclui todos os poderes e instituições, especialmente a sociedade. O Congresso Nacional deve dar a importância que a pauta tem para as pessoas.
Os violentos massacres deste início de ano, ocorridos em vários presídios, mostram que o modelo atual chegou ao seu limite. Precisamos resgatar a cultura da paz em nosso convívio. O Brasil um país essencialmente pacífico, não pode deixar-se sucumbir diante do crime e da intolerância em suas mais diferentes formas.
Racionalizar o sistema prisional, por meio de uma política nacional para o assunto, é a maior urgência para que seja restabelecido um mínimo de normalidade e de sensação de segurança.
Por GERMANO RIGOTTO, Ex-governador do Rio Grande do Sul e presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários (www.germanorigotto.com.br)