*Antônio Augusto Mayer dos Santos
A decisão do ministro Alexandre de Moraes nos autos do Inquérito nº 4.781 causou impacto geral. A mesma é extensa, eis que contém 32 páginas. O processo, que é físico, está classificado na categoria de “sigiloso”. E embora o ministro antes referido seja o relator, há um “Magistrado Instrutor” lotado no seu gabinete responsável pelo andamento. Aliás, vale referir que no seu gabinete, conforme o site do STF disponibiliza, existem dois juízes de direito convocados para assessorá-lo. Mas retornando ao âmago do controvertido inquérito, consta que o mesmo foi instaurado em 19 de março de 2019. Um dado salta aos olhos: existem movimentações praticamente diárias desde aquela data.
Daquele primeiro dia para cá, ao longo de um ano e dois meses, foram juntadas aos autos no mínimo duas centenas de petições, proferidas dezenas de despachos, igual número de certidões e anexados incontáveis documentos. Porém, outros detalhes despertam a atenção. Um é que não há um autor, mas apenas uma portaria. Nenhuma das decisões nele prolatadas foi publicada no Diário Oficial. Não há cadastramento de investigados, tampouco referência a quem sejam os seus advogados e sequer o número de páginas que formam o expediente está disponível. Todavia, a leitura da decisão aponta que se aproxima de 6.400.
Relativamente àquela última, a mesma invocou “absoluta excepcionalidade” para justificar “o afastamento dos sigilos bancários e fiscais dos investigados” na medida em que, segundo o relator, existem “indícios idôneos, reveladores de possível autoria de prática delituosa”. Por força disso, também nada que pudesse permitir o rastreamento de conteúdos ficou de fora da ordem do STF: computadores, “tablets”, celulares e quaisquer outros materiais relacionados à disseminação de “mensagens ofensivas e ameaçadoras” que estivessem na posse dos alvejados, foram recolhidos pelos agentes da Polícia Federal no cumprimento das diligências em desfavor de 29 investigados por cinco estados (RJ, SP, MT, PR, SC) mais o DF.
Isso tudo gera inúmeros questionamentos. Dentre estes, um que emerge inquietante é o que diz respeito ao fato do Supremo Tribunal Federal ser a parte “ofendida” e ao mesmo tempo o órgão julgador. Depois, que sendo o objeto do expediente a apuração de fake news, falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de elementos de injúria, calúnia ou difamação potencialmente capazes de atingir “a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros, bem como de seus familiares”, caberia ou ao Procurador-Geral da República ou a cada ofendido tomar as providências cabíveis, mas não o tribunal, que sequer personalidade jurídica tem.
Adiante, outra questão que brota inusitada é a seguinte: o relator do inquérito, uma das “vítimas” dos fatos nele em apuração, e o seu juiz, são, ninguém mais ninguém menos, que a mesma pessoa, ou seja, o próprio ministro Moraes. E este raciocínio é válido para os demais integrantes da Corte, ou seja, as demais “vítimas” das publicações tidas como ofensivas serão os julgadores da “causa”, em verdade daquela que é a “sua própria causa”.
Note-se, por fim, que o processo não refere haver a anuência do Procurador-Geral da República quanto ao seu andamento nestes termos tão drásticos. Isso, por si só, implica numa violação, pelo mesmo STF “Guardião da Constituição”, das indelegáveis prerrogativas constitucionais pertencentes ao Ministério Público, especificamente ao PGR acerca de titularidade de eventuais ações penais contra os investigados.
Importante, contudo, é ter presente que posicionamentos e pontos de vista enfáticos, contundentes, irônicos e até mesmo mais ácidos não podem ser confundidos, de plano, como sinônimos de calúnias, injúrias ou difamações. A liberdade de expressão é uma avenida larga, e não um beco encurralado. Como manifestou o Procurador-Geral da República através de um portal, “A livre circulação de ideias e o debate público são fundamentais para a garantia de uma sociedade aberta, na qual as distintas visões de mundo são respeitadas de forma igualitária”. Neste sentido, a determinação do bloqueio de contas em redes sociais funcionou como pena antecipada, demasiada e sem a possibilidade de um mínimo contraditório.
*Antônio Augusto Mayer dos Santos é Advogado, professor de Direito Eleitoral e colunista da Revista VOTO.