Por Leonardo Barreto
Tentando manter a tradição de focar nos fatos para ver o que eles dizem sobre o futuro, destaco:
1. O Brasil nunca esteve envolvido em uma guerra comercial da dimensão desta que foi iniciada pelos Estados Unidos. Não há nenhum paralelo na nossa história;
2. É fato que a família Bolsonaro está pintando um quadro de perseguição política, bastante ajudado por algumas decisões arbitrárias do STF, que deu contornos à carta enviada pelo presidente Donald Trump ao presidente Lula nesta semana;
3. Mas também é fato – e muito mais significativo – que Lula destila seu antiamericanismo há bastante tempo. No dia anterior ao anúncio das medidas, no evento dos BRICs, ele disse: “acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar (…)”;
4. Se você não acha que isso é importante, leia a declaração de Trump sobre o tema: “o BRICS foi criado para desvalorizar nosso dólar e tirar o dólar como padrão. E tudo bem se eles quiserem jogar esse jogo, mas eu também posso jogar esse jogo. Se perdêssemos o dólar como padrão mundial, seria como perder uma guerra, uma grande guerra mundial”;
5. Se o governo brasileiro tivesse feito uma análise de risco, saberia que Donald Trump é um líder imprevisível, pouco afeito às regras institucionais e de natureza populista, com inclinação para gestos cinematográficos. Com esse relatório em mãos, a recomendação seria fazer oposto do que tem feito no palco dos Brics;
6. O governo viu no evento uma oportunidade de recuperar popularidade e jogar a culpa com mais força sobre Bolsonaro. Inclusive insinuando que os perdedores serão setores aliados ao ex-presidente;
7. No entanto, Lula tem que ter cuidado em não mirar no problema errado (narrativa de quem é a culpa) e deixar de considerar o que precisa realmente fazer;
8. A estratégia usada por Trump contra o Brasil é uma velha conhecida: com a ameaça de um efeito econômico avassalador, Trump cria instabilidade interna (pressão dos setores perdedores) para forçar o governo a fazer o que ele quiser;
9. Foi exatamente isso o que aconteceu na Colômbia. Com 30% das exportações vinculadas aos EUA, Gustavo Petro, que está mais à esquerda do que Lula, viu sua oposição interna crescer tão rapidamente que, para assegurar sua governabilidade, teve que engolir o discurso e fazer qualquer concessão necessária para amansar Trump.
10. Considerando que Lula tem o apoio de perto de 30% da popularidade, não pode arcar muito tempo com discurso ideológico de um lado e prejuízo econômico de outro, pois pode perder muito rapidamente sua já pequena sustentabilidade;
11. Em regimes não democráticos, como Rússia, China e Venezuela, sanções não geram instabilidade política porque o nível de controle sobre a população é redobrado. No caso do Brasil, se Lula não endereçar o problema, tende a ser questionado de forma mais intensa.
12. Dito isso, ficar discutindo quem perde mais, Bolsonaro ou Lula, parece ser algo bem menor e até pueril diante do tamanho potencial que essa crise tem.
Capital Político
Think Policy e Casa Blanca