(Esta entrevista foi publicada na edição 148 da Revista VOTO)
“Não há como fazer governo sem coalizão”. Com essa avaliação, o deputado federal Arthur Lira, líder do Partido Progressista (PP) na Câmara, dá o tom sobre a relevância das alianças para a governabilidade. Aos 50 anos e em seu terceiro mandato, o alagoano se tornou o homem forte do governo Bolsonaro no Congresso. Para ele, o papel dos partidos de centro, conhecidos como “Centrão”, é garantir estabilidade, harmonia, moderação, articulação e aprovação de matérias importantes para o País.
Lira acredita que o Executivo e o Legislativo protagonizam um novo momento. “O governo deu uma acalmada na atuação, ficou mais ponderado em suas falas, e o Congresso parou um pouco com o ativismo político. Essa acomodação faz parte de tudo aquilo que remontamos: o centro moderador, que dá equilíbrio e votos, além de aprovar as matérias estruturantes e os projetos políticos em qualquer governo”, analisa, antes de destacar que o presidente Jair Bolsonaro começa a se voltar aos mais pobres e que essa mudança pode lhe garantir o favoritismo na disputa eleitoral de 2022.
Em um ano marcado por dificuldades impostas pela pandemia, Lira vê a aprovação da Reforma Tributária até dezembro como um grande feito. “É preciso focar na Tributária, ela é a mais importante e a mais avançada”, diz. “Agora, é hora de cuidar da base da pirâmide, dos excluídos, para que não fiquem sem um auxílio emergencial. A reforma tem de chegar com a simplificação de impostos, para que grandes fundos nacionais e internacionais e conglomerados tenham segurança, previsibilidade e tranquilidade ao investir no País.”
Como o senhor avalia o diálogo entre o Executivo e o Legislativo no primeiro ano do governo Bolsonaro?
O primeiro ano de governo foi bastante restrito. Estamos, agora, no segundo ano, e o presidente fez um gesto que entendo como importante. Temos um problema conjuntural no País: muitos partidos; não há como fazer governo sem coalizão. Costumo dizer que você pode ter sido eleito por uma parte da sociedade, mas se deve governar para o todo. Para isso, é necessário fazer alianças, partilhar para governar. Sempre fazendo a ressalva de que, em 2019, muito embora essa interlocução política tenha sido bem diferente e centralizada na figura do presidente Rodrigo [Maia], o nosso partido sempre votou sem ter nenhum tipo de participação em mais de 90% das pautas do governo federal. Com a aproximação, você tem a oportunidade de dialogar antes, sugerir, debater e opinar para que as matérias venham com menos rejeição. Sabemos que as reações serão mais fortes ou mais fracas. O governo deu uma acalmada na atuação, ficou mais ponderado nas falas, e o Congresso parou um pouco com o ativismo político, que estava causando muitas “pautas-bomba” para os gastos do governo. Essa acomodação faz parte de tudo aquilo que remontamos: o centro moderador dá equilíbrio e votos, além de aprovar as matérias estruturantes e os projetos políticos em qualquer governo.
O senhor costuma falar em “pacto pela governabilidade”. Qual o papel do chamado “Centrão”?
Os partidos de centro, ou “Centrão”, são todos que não são de extrema-direita, nem de esquerda. Uns gostam, outros, não. A estigmatização é muito forte. Há três ou quatro meses, éramos todos partidos de centro para votar a [Reforma da] Previdência e discutir a Trabalhista. Quando houve uma acomodação para garantir a governabilidade do governo Bolsonaro, setores contrários começaram a enxergar o “Centrão”. Existem aqueles que eram do governo, e não são chamados de “fisiológicos”, e nós, que não éramos do governo. Em 2019, só o DEM e o MDB tinham espaço no governo. Eram três ministérios do DEM e um do MDB, e nenhum outro partido tinha nada. Quando
muda a narrativa, aí vem essa estigmatização de “Centrão”. No entanto, sem os partidos de centro, não haveria reformas da Previdência e Trabalhista, tampouco alguma lei importante de controle de gastos, porque quem dá a maioria dos votos a essas matérias, não prazerosas eleitoralmente, são os partidos de centro, com responsabilidade, moderação, sem radicalismos, com calma, ouvindo os dois lados. Essa é a nossa função para construir a melhor opção
Quais reformas podem ser aprovadas ainda neste ano? A Tributária está entre elas?
A Reforma Tributária é a mais importante. Para todas as outras, ainda terão de ser criadas as comissões especiais, uma série de trâmites de formação e discussão. A Tributária estaria mais avançada, não está por causa da pandemia. Mesmo assim, nem sequer temos o relatório, e quando ele é apresentado, começam as discussões na comissão. Quando falo em “até dezembro”, é preciso focar na Tributária. Sobre a
Reforma Administrativa, tão importante quanto, já não tenho a mesma percepção de tempo. Precisamos contar que, no máximo, em 40 dias, o Congresso “vire a chave” para pensar nas eleições municipais – e deputados e senadores têm interesse em se candidatarem. Isso dará uma arrefecida de 45 dias no calendário do Congresso. Depois do dia 15 de novembro, volta de novo. Temos, na prática, 90 dias para aprovar essa
reforma.
Qual a importância da Reforma Tributária para a retomada econômica dos setores impactados pela pandemia?
Tem muitas questões de fundo embasadas justamente na Reforma Tributária. O governo federal cumpriu a sua parte em relação às ações imediatas neste período de pandemia. Gastou em torno de R$ 430 bilhões diretamente e deixou de arrecadar R$ 250 bilhões.
Quando se soma tudo isso, tem-se algo em torno de R$ 700 bilhões. Esse é o problema de 2020. Agora, é hora de cuidar da base da pirâmide, dos excluídos – eles que vão sentir os primeiros efeitos do desemprego, da dificuldade, sem um auxílio emergencial de um ano ou dois –, em um tamanho que caiba nas contas do governo. É impossível manter os R$ 600, não tem governo que aguente. O Bolsa Família funciona com R$ 190. Primeiro, a base, depois, as ações de investimento em infraestrutura e logística. A Tributária tem de chegar com a simplificação de impostos para que os grandes fundos internacionais e nacionais, os grandes conglomerados, tenham segurança, previsibilidade e tranquilidade ao investir no País. Não se pode ter entre 35 e 50 impostos e uma quantidade infinita de funcionários somente para pagá-los. A Reforma Tributária tem uma responsabilidade muito grande nesse aspecto. Na minha visão, está sobrando dinheiro no mundo. Se o plano é investir em países com mais previsibilidade, precisamos dar segurança a essa saída de crise da pandemia.
Qual o seu posicionamento sobre a nova CPMF?
Cometeremos um erro grande se já batizarmos qualquer possibilidade de debate chamando de “CPMF”. Precisamos analisar o mundo de vantagens que a Reforma Tributária trará: aumento de isenção de Imposto de Renda, desoneração geral para todos os setores, simplificação dos impostos e extinção do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] para a linha branca. Em relação ao projeto de lei das fake news, o presidente Bolsonaro se manifestou contrário ao projeto e disse que “não poderia mais se manifestar sobre nada”. O que pensa a respeito?
É um projeto polêmico. Ninguém pode dizer, em sã consciência, que defende fake news. Mas é preciso saber o limite do que é fake news e o que é liberdade de expressão. Exemplo: um jornalista escreve uma matéria, não o consulta e publica uma informação que não é verdade, é uma fake news. Responsabilizá-lo é outra coisa. O Google outro exemplo: não há responsabilidade nenhuma sobre as matérias que aparecem. Se a reportagem é mentirosa, e você deseja tirá-la do ar, não é possível, porque o Google diz não ter responsabilidade. Mas deveria haver algum tipo de direito ao esquecimento. Ou seja, tem muitas nuances, é um projeto complexo. A Câmara, por ser mais plural, vai querer modificar bastante, não sei se vamos chegar a um acordo fácil.
Quais os impactos da saída do DEM e MDB do “blocão”?
Só fogo, só barulho, só fumaça. Nem DEM, nem PSDB, nem MDB desembarcaram do governo, e o chamado “blocão” é de aproximação com o governo. Qual é sua análise da gestão de Rodrigo Maia na presidência da Câmara? De maneira contínua, o presidente Rodrigo está há cinco anos na presidência da Câmara. Ele é um dos mais importantes que passaram por lá, tem o caráter de reformista e vai levar isso para a biografia dele. Rodrigo vai se notabilizar como um presidente que trabalhou muito pelas reformas, modificou muitas pautas e, ao fim do mandato, que se encerra em fevereiro – não acredito que ele pense em uma recondução, uma vez que contrariaria os princípios institucionais –, levará para a sua reputação coisas muito fortes.
O senhor pretende se candidatar ao cargo?
Qualquer parlamentar que tiver a honra de disputar ou se eleger presidente da Câmara aceitaria. O que eu venho dizendo repetidamente é que se anteciparmos esse debate, quem perde são as reformas, como a Tributária, e as pautas importantes do governo. Mais uma vez, digo: o mandato do presidente Rodrigo vai até fevereiro, temos eleições municipais até novembro. Acredito que um tema desse tenha de ter data específica para começar a ser tratado publicamente. Ao fim de outubro, começo de novembro, já se pode começar a falar sobre isso. Agora, é prematuro, encurta o mandato do presidente em exercício e se poluem temas importantes que tramitam no plenário.
Como avalia o cenário para a disputa eleitoral à presidência em 2022?
Houve uma mudança de classes e de apoio. O presidente teve uma baixa de apoio nas classes A e B e aumentou nas mais populares. Isso é governo, que age para os mais pobres e humildes. Na minha terra, diz-se o seguinte: quem precisa de prefeitura não é o rico, é o pobre – que não tem médico, nem escola, nem segurança. Essa acomodação é normal que aconteça, quanto mais o presidente trabalhar em benefício da população, mais ele vai crescer nessas camadas. Na minha região, não tenho dúvidas de que o presidente estaria no segundo turno da próxima eleição, mas dizer “contra quem, de que maneira”, isso é prematuro, é arriscar demais, só no dia a dia da construção. A convivência é que vai permitir que o governo se consolide e que, em 2022, dispute as eleições com favoritismo.