O filme Animais Noturnos (Nocturne Animals), de Tom Ford, tem provocado reações díspares entre as pessoas que o assistem. Há uma legião de apaixonados fãs que saem a fazer propaganda boca a boca do filme, elogiando suas múltiplas qualidades, seus inúmeros aspectos positivos e a superior condução da história pelo cineasta.
Por outro lado, igualmente existe um grupo numeroso de detratores a reduzir a importância do filme como obra de arte, restringir o talento de Ford a um estilista de moda que se meteu a dirigir filmes com cara de comerciais e seu elenco e história a desconexos elementos que agridem os espectadores.
Entre estes dois extremos, o que são estes Animais Noturnos?
Uma proprietária de uma Galeria de Arte top de Los Angeles recebe do ex-marido seu novo livro e submerge em uma leitura ao mesmo tempo apaixonante e destruidora.
Sem pretender esgotar o debate, devo confessar que estou francamente colocado no primeiro time dos espectadores encantados por Tom Ford.
Achei o filme de uma riqueza impressionante. Penso que quem viu nele apenas um exercício formal se recusou a penetrar em uma obra criativa, múltipla, caleidoscópica e facetada.
Evidente que, sendo um estilista de origem, Tom Ford supervaloriza os aspectos formais de seu filme, sendo figurinos, fotografia, cenários, música, todos itens, belíssimos, quase arrebatadores. Mas isto não é problema, senão mais uma qualidade do filme.
Há que se considerar como elemento essencial da polêmica duas realidades: a primeira que Tom Ford pensou o tempo inteiro em colocar seu espectador em desconforto, sendo contundente em suas imagens e palavras, incômodo mesmo. Desde a primeira cena das cheerleaders morbidamente obesas; a segunda é que o filme não busca qualquer público, mas apenas aquelas pessoas que se disponham a refletir sobre o que está na tela e se aprofundar sobre como determinada cena e/ou fala se encaixa em outra que ocorreu minutos atrás.
As relações entre os personagens do filme (os reais e os ficcionais) ingressam em temas filosóficos, afetivos, políticos, morais, sociais, policiais e por aí vai.
O cineasta não faz qualquer concessão. Quando a coisa parece difícil, aí mesmo é que ela vai piorar.
A contundência dos diálogos, das situações, da vingança urdida pelo protagonista é de um brilhantismo raramente visto no cinema.
Em seu primeiro filme, Direito de Amar (A Single Man), Ford foi acusado de certa superficialidade e prevalência da forma sobre o conteúdo.
Aqui o conteúdo é superlativo. Denso. Categórico. Impositivo.
Duvido que alguém não fique lembrando da cena final (uma das melhores do cinema em anos) por muito tempo.
Animais Noturnos é um filme polêmico, incômodo e difícil.
Mas também é um filme espetacularmente bem feito, inteligente, criativo e que deixa muito para o espectador disposto a mergulhar no mundo de Tom Ford.
*Advogado e sócio da Campos Escritórios Associados