O país dos direitos

calendar 20 de dezembro de 2018
user Rosane

Novo livro de Bruno Garschagen investiga como as regalias no Brasil se tornaram instrumento de compensação com efeitos nefastos

 

Há pouco mais de três anos, quando a crise começava a manifestar sua verdadeira profundidade, o cientista político Bruno Garschagen lançou uma pergunta que ajudava a entender as raízes daquele desequilíbrio: por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado? O questionamento era o subtítulo de seu livro de estreia, Pare de acreditar no governo, um resgate histórico desse curioso paradoxo nacional – a tendência tupiniquim de dedicar insultos variados aos governantes e, ao mesmo tempo, pedir a constante intervenção estatal para resolver seus problemas.

Com texto leve e bem-humorado, o livro se tornou bestseller e alçou Garschagen à condição de um dos principais nomes da atual leva de intelectuais conservadores. Colunista e podcaster, o capixaba lança sua segunda obra mostrando que, de contradições, o país está cheio. Em Direitos máximos, deveres mínimos: O festival de privilégios que assola o Brasil, ele investiga as consequências de uma população acostumada a regalias sem nenhum dever ou obrigação.

A origem dessa incoerência, aponta o autor, vem da Revolução Francesa. Em fins do século 18, Edmund Burke criticava os revolucionários por reivindicar e prometer determinados direitos abstratamente, ignorando a natureza do homem e, portanto, a realidade. “A discrepância entre abstração e realidade, segundo Burke, tinha como consequência a promessa de direitos sem a preocupação com sua realização concreta.”

Dependência e corporativismo 

Sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, essa aptidão foi tomando conta do sistema político e do ordenamento jurídico de todo o mundo. Garschagen aponta uma clara linha de continuidade entre diversos documentos que defendiam pautas políticas que jamais conseguiram atingir plenamente seus objetivos – justamente por serem abstratas. É o caso da Declaração Universal das Nações Unidas (1948), a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950) e, por fim, a Constituição Federal brasileira (1988).

A Carta Magna vigente, admite o cientista político, ampliou os direitos sociais e lhes conferiu legitimidade social e jurídica. “Mas também escondeu uma agenda ideológica oculta ao estabelecer um leque amplo de direitos abstratos na forma de políticas distributivas e um generoso Estado de Bem-Estar incompatível com a realidade econômica do país”. Trata-se, segundo ele, de uma Constituição “extensa, detalhada, confusa e desequilibrada”, que tenta corrigir desigualdades diversas através de leis, mas redunda em privilégios, proteção de corporações e uma sociedade mais dependente e infantilizada.

Como exemplo, o autor lista uma série de privilégios – dentro do Estado ou na própria sociedade – e suas incoerências [confira alguns deles no box ao lado]. De auxílios e regalias diversas a monopólios e simples medidas, como a meia-entrada em apresentações, o cientista político demonstra como algumas leis tornaram-se, à la jeitinho brasileiro, um instrumento de compensação com efeitos nefastos.

Uma das principais consequências negativas dessa mentalidade é “encorajar um número crescente de pessoas a buscar vantagens por meio de apoio político”. “A partir do momento em que um grupo ou categoria profissional ‘conquista’ um direito ou privilégio, os demais iniciam a ‘Batalha dos Rentistas’ para serem beneficiados.” O autor avalia que “cada benesse instituída para uma determinada categoria passa a ser uma meta a ser atingida pelas demais. Qualquer tentativa de eliminá-la provoca reações contrárias imediatas”.

Mais do que apontar falhas e absurdos perpetrados na lei brasileira, Bruno Garschagen propõe uma reflexão sobre o sentido da vida diante de uma mundo próspero, mas com um grau de dependência mental do auxílio estatal jamais antes visto. “Uma sociedade de privilégios é aquela onde nada pode faltar, porque ninguém quer perder. Quando a perda acontece, produz um vazio de sentido que tentará ser compensado por mais privilégios formais por parte de quem sente que perdeu. Como resultado, poderá haver negação da responsabilidade e servidão mental.” E essa, afinal de contas, acaba sendo o resultado mais prejudicial – e que mais deve ser combatido – diante do Festival de privilégios que assolam o país.

MUITO PRIVILÉGIO, POUCOS DEVERES

Políticos, servidores de diversas categorias ou indivíduos, muitos usufruem de uma série de direitos concedidos, essencialmente, pelo Estado. Confira alguns deles:

Auxílios para dar e vender

A concessão generalizada de auxílio-moradia, auxílio-alimentação e auxílio-saúde faz com que 26 tribunais estaduais de Justiça gastem R$ 890 milhões por ano.

Regalias para ex-presidentes

Uma vez encerrado seus mandatos, os ex-presidentes têm direito a oito assessores e dois carros, sem pagar um real por isso.

Serviço médico vitalício

Mesmo tendo os salários-base mais altos da América Latina, senadores brasileiros têm acesso vitalício ao serviço médico da Casa, além de serem ressarcidos (bem como cônjuges e dependentes de até 21 anos) de despesas médicas em hospitais e clínicas.

Meia-entrada

Criada em 2013, a lei é um exemplo do chamado subsídio cruzado: estudos comprovam que quem paga o preço total está desembolsando boa parte da meia-entrada; e quem paga meia-entrada, na verdade, está tendo um desconto de pouco mais de 30% do valor do ingresso. Se o direito fosse extinto, provavelmente o preço cheio dos ingressos seria reduzido pela metade.

Campeãs nacionais

Beneficiar um seleto grupo de empresários por meio de empréstimos bilionários foi uma política adotada pelos governos petistas. Quem financiou a farra de crédito subsidiado foi o cidadão comum, que viu seu dinheiro virar moeda para troca de favores.

Direitos máximos, deveres mínimos: O festival de privilégios que assola o Brasil

Bruno Garschagen

364 páginas

1ª edição

Record

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