Os principais temas de uma eleição presidencial, no Brasil e no resto do mundo, sempre são determinados pela conjuntura atual do país. Como incide diretamente no que é mais caro à maioria dos eleitores brasileiros, o bolso, a economia acaba sendo a balizadora dos debates por aqui. Antes de mais nada, a população procura nos candidatos indicativos de que os próximos anos serão de prosperidade. Essa, pelo menos, é a avaliação geral da maioria dos analistas.
“Não se debate grandes ideias numa campanha, se debate conceitos e pessoas”, observa o cientista político Lucas de Aragão. Aspectos técnicos de pautas que dominam o noticiário na atualidade, como a reforma da Previdência, teriam pouca chance, portanto, de serem aprofundados pelos candidatos. “Quem bater na tecla do ajuste fiscal vai estar falando para um público muito reduzido, em uma estratégia absolutamente errada do ponto de vista eleitoral. Não somos um país de mercado”, conclui.
O desemprego, que chegou a atingir 14,2 milhões de brasileiros em 2017, deve ser o grande tema da área econômica nestas eleições. Os candidatos terão de apresentar ao eleitor – principalmente das camadas mais pobres – o que farão para garantir a geração de renda e a retomada do poder aquisitivo da população. Mesmo que muitos tenham encontrado alternativas no mercado informal nos últimos anos, a estabilidade financeira segue sendo uma grande preocupação.
“Passamos por um momento de pujança econômica que fez com que as pessoas aumentassem o seu poder de compra e tivessem mais acesso a políticas sociais e financiamentos. Mas depois muitos ficaram endividados com uma casa, um carro e outros bens duráveis. A economia está assolando as famílias que conseguiram essa mobilidade social com o boom da nova classe C, que agora se esvaiu”, pondera a diretora do instituto de pesquisas IPO, Elis Radmann.
Para ela, o momento do país lembra 1989, quando as pessoas, passada a euforia da abertura política, voltaram-se para pautas mais palpáveis, como o desenvolvimento econômico. O desemprego e a corrupção eram também os principais fantasmas. “O eleitor hoje está em busca de um salvador da pátria. E essa pessoa terá de apresentar respostas para solucionar a economia. Os salários não conseguem dar conta do aumento do custo de vida, que é muito maior do que a inflação apregoada”, analisa.
Os métodos para que essas condições sejam criadas, historicamente, colocam em lados opostos candidatos considerados de direita e de esquerda. Mas, até que ponto um discurso populista pode vicejar em um ambiente tão hostil a promessas e ilusões? Será difícil para os candidatos, em especial os da esquerda tradicional, sustentarem-se com soluções em que o Estado centralize as ações, como no modelo de “desenvolvimento com inclusão social” adotado por Lula e sua equipe econômica no início dos anos 2000. O país não é mais o mesmo, nem o mundo, nem a paciência do povo.
“Todos terão de enfrentar que não há dinheiro. Nossa capacidade de endividamento é ruim, e quando o governo criou dívidas para proteger o mercado e criar emprego, isso gerou inflação. As pessoas não têm uma boa lembrança disso”, pontua o cientista político Leonardo Barreto. Uma agenda econômica ortodoxa, como a do atual governo, com um discurso pró-mercado centrado no controle da política monetária, seria a mais adequada para o momento, na sua opinião. “O candidato ideal para essa eleição precisaria de um discurso que desagradasse todo mundo”, sugere.
Afeitos à pauta estão muitos dos nomes que se apresentam ao centro e à direita. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), considerado um dos responsáveis pela recuperação econômica, deixou o governo no fim de março, de olho nas eleições. O próprio presidente Michel Temer (MDB) não descarta a candidatura. Marcado por índices recordes de rejeição, teria na economia talvez o seu único trunfo numa eventual composição com Meirelles. O presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia (DEM), é outro que já demonstrou em entrevistas e manifestações públicas a importância da matéria.
Diante de tanto desgaste da cena pública nacional, um dos maiores desafios de outro pré-candidato que poderia capitalizar o ajuste fiscal em sua campanha, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é justamente desvencilhar seu partido do governo. “Já pensando no processo eleitoral lá na frente, o PSDB durante muito tempo tentou se afastar, dizendo que apoiava apenas o que era melhor para o Brasil”, avalia Barreto. Ele pondera, no entanto, que o candidato tucano terá de lidar com a sombra de Aécio Neves, cuja imagem após 2014 foi devastada por uma série de denúncias de corrupção.
Há ainda as novidades João Amoêdo (Novo) e Flávio Rocha, recentemente filhado ao PRB. O primeiro tem ninguém menos que Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, como coordenador do seu plano de governo. Já o dono da loja Riachuelo faz o perfil liberal na economia, conservador nos costumes, como ele mesmo definiu. Embora as eleições municipais de 2016 tenha indicado que há sim espaço para renovação na política, é difícil prever até que ponto esses candidatos conseguirão romper as barreiras do establishment. “Acho que ainda não vai ser a eleição em que vamos olhar o resultado e pensar: mudou”, conclui Lucas de Aragão.
Corrupção lidera ranking
Uma pesquisa do Ibope divulgada no final de 2017 apontou que para 62% dos brasileiros a corrupção é o principal problema da atualidade. Pela primeira vez na série histórica do instituto, o tema superou os tradicionais líderes do ranking: saúde e segurança. Em 2011, por exemplo, apenas 9% da população a indicava como principal preocupação.
A percepção do eleitor sobre a gravidade do assunto está relacionada ao avanço das investigações da Lava Jato. Com os principais partidos políticos relacionados à operação, levantam-se questões de como os candidatos abordarão o tema que, inevitavelmente, será explorado ao longo de toda a campanha. “É uma grife negativa para todos que estão citados”, avalia Elis Radmann. “Com esses, o eleitor já vai ficar com um pé atrás”, completa.
Para Lucas de Aragão, a operação fez com que o Brasil se tornasse “um país binário”. “Ou você é contra ou é a favor”, explica. A avaliação ressoa os resultados das últimas pesquisas eleitorais, como a da CNT/MDA, divulgada em 7 de março, em que Lula aparece na frente com 33,4% das intenções de voto. O petista mantém a dianteira mesmo após ser condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de cadeia pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Em segundo lugar, de acordo com o mesmo levantamento, está Jair Bolsonaro (PSL), com 16,8%. O discurso da moralidade é justamente uma das fortalezas do pré-candidato. “Há uma mensagem subjacente muito importante em tudo o que ele diz, que é a de que o seu governo vai ser o governo do cidadão de bem”, avalia Leonardo Barreto. “Esse é um componente de campanha muito forte, a ideia de que a justiça vai muito além da corrupção”, complementa. Marina Silva (Rede), terceira colocada no primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, é outra que tem esse elemento ao seu favor.
No dia 13 de março, o Ibope divulgou outra pesquisa, desta vez sobre as expectativas do brasileiros para as eleições. Ao serem questionados sobre as características pessoais que mais valorizam nos candidatos, 87% dos entrevistados apontaram como “muito importante” a honestidade, e 84% o fato de o sujeito nunca ter se envolvido em casos de corrupção. De que forma esse apetite por probidade refletirá nas urnas, e até onde o desejo de mudança do eleitor fará com que ele confie seu voto a políticos que fujam do modelo tradicional, é outra história.
“O brasileiro é conivente com a corrupção dependendo de alguns fatores, como a capacidade de entregar resultados e o volume. Nós temos visto casos tão grotescos de corrupção que o exagero dos outros pode beneficiar os políticos que estão na Lava Jato de maneira mais discreta, como o Alckmin”, observa Lucas de Aragão. A tendência para a campanha, segundo ele, é que a maioria dos candidatos – mesmo o do PT – defenda a operação não apenas como um instrumento de investigações, mas como uma política de Estado que garanta que a corrupção seguirá sendo combatida.
Respostas para a insegurança
A intervenção federal no Rio de Janeiro, decretada pelo presidente Michel Temer em fevereiro, é a primeira desde que a Constituição Federal foi promulgada, em 1988. A medida, drástica, revela a que ponto chegou a violência no estado, que só no primeiro mês deste ano teve 469 homicídios. É o equivalente ao que um país de 60 milhões de habitantes como a Itália registra em média por ano. E ainda temos outras 25 unidades federativas, mais o Distrito Federal.
O fato de a segurança pública ser considerada uma atribuição dos estados com certeza não servirá para o eleitor como justificativa para que os candidatos tergiversem sobre o assunto. A população quer respostas e, mais do que isso, atitude. “Antes restrita às grandes cidades e capitais, a sensação de insegurança tem atingido também os municípios de pequeno porte”, comenta a diretora do instituto IPO, Elis Radmann. Só de assassinatos, em 2017, foram quase 60 mil em todo o território nacional.
Com posições bem definidas sobre temas controversos, essa é uma área que deve ser bastante explorada por Jair Bolsonaro durante a campanha. “Ele é o primeiro candidato viável dos últimos anos que se posiciona sobre assuntos polêmicos”, afirma Lucas de Aragão. A beligerância do atual deputado, segundo o cientista político, deve obrigar que os demais candidatos também apresentem suas visões – especialmente nos debates – sobre questões como armamento de civis, redução da maioridade penal e até pena de morte.
Na avaliação de Elis Radmann, essa postura mais agressiva deve encontrar resistência de boa parte do eleitorado. “O grau de ceticismo e de frustração abre espaço para um discurso mais contundente, mas não acredito que como o do Bolsonaro. Ele vai ter a resposta de uma parte do eleitorado, claro, mas a outra vai querer um discurso que além de atitude tenha sustentação, seja racional e não entre no radicalismo”, diz. Ela ressalta que é difícil prever como o pré-candidato se comportará na campanha. A dúvida é se veremos uma versão mais soft de Bolsonaro, mirando novos eleitores, ou o “mito” propagado nas redes sociais como única alternativa para “endireitar o Brasil”.
O assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL), em meio à intervenção federal, foi outro episódio que expôs as fraturas da sociedade brasileira. De um lado, o oportunismo de segmentos da esquerda, como a ex-presidente Dilma que, em um tuíte, disse que essa era “mais uma etapa do golpe”; de outro, mentiras e difamação, com compartilhamento de notícias falsas (fake news) sobre a vítima. Essa, aliás, será uma estratégia da militância de todas as vertentes para tentar influenciar na decisão do voto e minar a reputação de candidatos durante toda a campanha.
A área de direitos humanos, na qual Marielle era ativista, pode entrar com mais ênfase na campanha caso o PT apresente para o lugar de Lula um candidato de perfil mais agressivo do que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, indica Lucas de Aragão. Ou se porventura Manuela D’Ávila (PCdoB) ou Guilherme Boulos (PSOL) conseguirem chegar a um debate. “É essa pessoa que vai determinar se essa pauta vai dar liga ou não, porque seria uma visão completamente antagônica à de Bolsonaro. Do contrário, vai ficar falando sozinho”, afirma. Para o cientista político, é muito difícil que Ciro Gomes (PDT) ocupe esse espaço pelo histórico de declarações sexistas do candidato, o nome da esquerda mais bem colocado nas pesquisas em um cenário sem Lula.
Temas tradicionais perdem espaço
Com um período tão curto de campanha, temas importantes como saúde, educação e infraestrutura correm o risco de ficar relegados a um segundo plano, alerta Lucas de Aragão. Constarão, é claro, nos planos de governo de cada candidato, mas a tendência é que o debate se concentre naquilo que está mobilizando a população. “O Brasil já está mais do que acostumado com saúde e educação bem abaixo do esperado. Tudo vai ser superficial. Os candidatos vão se aprofundar um pouco mais no que estiver pegando fogo no momento”, aponta.
Elis Radmann é um pouco mais otimista. Para ela, esses assuntos – acrescidos de infraestrutura e assistência social – disputarão espaço com a pauta prioritária da atualidade. “Há muita demanda reprimida na saúde. Na educação, a população reconhece a fragilidade do sistema”, pondera. Na sua avaliação, o eleitor vai por estágios: primeiro quer alguém que apresente soluções para os grandes eixos da disputa (economia, corrupção e segurança), depois, para os problemas habituais e, então, que defenda políticas públicas e a garantia de seus direitos. “Se as suas duas opções de candidato defenderem a reforma da Previdência, ele vai para outros atributos”, explica.
Diferentemente das eleições parlamentares, que se decidem muito no corpo a corpo e com o trabalho dos diretórios, a corrida presidencial é, acima de tudo, uma batalha de narrativas. É preciso de jogo de cintura, confiança e preparo para avançar às etapas seguintes. Uma ficha limpa ajuda, mas também uma estrutura partidária forte e tempo de TV. No fim, prevalece o discurso que melhor sintetiza as angústias e os desejos de uma nação, que, embora dividida por crenças, ideologias e opiniões, une-se na expectativa de um futuro mais justo e seguro.